segunda-feira, setembro 23, 2002

Um momento...
O acontecimento em si não o perturbava particularmente. Nunca buscara a explicação, o motivo, a origem do fenômeno. Nunca entendeu e nunca fez questão alguma de entender!

O que o atormentava era não lembrar o exato momento em que acontecera pela primeira vez. O lapso, o
esquecimento em sua memória daquele instante de vida, apagado por capricho de tramas eletroquímicas em seu cérebro, essa era sua questão.

O fato é que toda vez era assim: a compulsão, o desejo atordoando a cabeça e o tesão estrangulando o pau; a boca seca, coração disparado e suor nas mãos.

Após alguns minutos de máxima expectativa, a explosão e o alívio. Em lugar do sêmen, letras eram cuspidas pelo seu pênis. Quanto mais longa a ejaculação, no lugar do esperma branco e viscoso, poderia sair o suficiente para formar palavras inteiras.

Seduzido pelo fenômeno chegava a tocar uma punhetinha só para ver o efeito daqueles caracteres cuspidos, saindo como se puxados por um fio invisível, em fila indiana. A primeira letra carregando a segunda, esta a terceira e quantas fossem mais.

Rebeldes e caprichosas, em vez de obedecerem à gravidade do planeta e caírem ao solo em inexorável atração, as letras esvoaçavam como se à procura do lugar mais apropriado possível, onde grudavam-se. Era estranho, mas gozado e lúdico, acompanhar a desordenada levitação do enxame de letras até o seu destino, onde se ordenavam disciplinadamente formando legível escrita gráfica.

Decidiu não contar para ninguém, com medo de que o tomassem por louco. Nem mesmo procurou um médico.

Sobretudo receava que, em ambiente com situação controlada, monitorada, o efeito não se repetisse, fortalecendo para qualquer um que, de fato, ele era um doido varrido. Assim, calou-se.

Seduzido pelo vôo mágico, pelo inusitado, pela curiosidade ou simplesmente porque não queria furtar-se à sua compulsiva e solitária busca de satisfação, deu de ombros a cada nova pichação, fosse lá onde quer que fosse...

Quando tentou remover as primeiras inscrições, percebeu que, ao contrário da gosma masculina, as palavras não saíam facilmente dos locais em que se grudavam. Manchavam e permaneciam como tinta. Bem que tentou: cândida, solvente, soda cáustica... Nada adiantou. Retinta, a impressão ficava, indelével, sobre a superfície: intacta.

Assim a casa passou a ser ocupada por consoantes e vogais, em uma diagramação arbitrária, porém não aleatória. A princípio, eram inscrições desconexas, palavras inacabadas e soltas em um canto qualquer. Mas aos poucos tornavam-se compreensíveis à medida em que se completavam.

As palavras tornaram-se fragmentos de frases, por sua vez também incompletas. Mas em algum momento da "constelação de alfabeto" que se formava, percebeu um princípio qualquer de sentido nas palavras soltas e frases ou parágrafos em construção.

Começou a anotar as inscrições, tentando montar, como em um quebra-cabeça, um mosaico reconhecível. Ao fim de algum tempo percebeu a trama de uma história que se desenrolava. Nessa altura, dedicava-se cada vez mais a conseguir a matéria prima necessária, sem a qual não poderia pegar o fio da meada. E eram ruivas, louras, morenas, negras e orientais.

As escritas multiplicavam-se sobre toda superfície interna da casa. Seios, ancas largas; magras, bem torneadas; negras e novas, mulatas, brancas e velhas. A história em dias avançava, em outras horas não. Todo o kama sutra em devaneios. Harém virtual, possibilidades ainda não exploradas...

Mergulhou na floresta de significados e formas e relato que o seu esperma ia construindo, de certa forma alheio à sua vontade. Era uma história, sem pé nem cabeça, de um sujeito igual a ele, que soltava letras pelo pau.

Passou a conhecer daquele estranho íntimo os traços da vida: sabores, desgostos, alegrias, esperanças perdidas, vilanias cometidas, os medos, grandeza, pavores, pequenos prazeres, descobertas, angústia: a lembrança de imorredouro pôr do sol em um dia na infância, cujos detalhes estavam preservados, banhados de luz...

Como de estalo, em sua mente clareia aquele instante que tanto buscara, a partir do qual ele próprio passara a ejacular palavras. Nesse momento, levantou a cabeça, olhou em volta e percebeu a casa limpa das inscrições, como se nunca houvessem estado ali.